29 de dezembro de 2009

Sem Título 3

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......Teve um dia que eu morri. Chovia em São Paulo. Ainda primavera de São Paulo. Com flores nas barracas de porta de cemitério. Chovia. Eu me a tivera enamorado, namorado, amorado, morado e orado. Por sua morte. A mim, tão clara. A ela, tão escuro. As lâmpadas de vapor de sódio me iluminavam a chuva. As dicroicas a iluminavam o apartamento duplex recluso.
......Tinha eu me amado nela.
......Nela morri. Ela. Flores, curvas, essências. Re_velava a vida. Eu. Re_velava o químico, o duro, o seco. Não sei, se ela, disso, aprendeu, talvez. Eu: teve um dia que eu vivi.
......No funeral de sua morte, de meu luto, a vi. Entre os vivos, os pouco vivos, os há pouco não vivos, os mortos. Eu, cá. Ela, lá. Viva! A mim, tão clara. Ela, cá. Eu, lá. A ela, transparente.

......Explico: Depois da morte da defunta apareceu-me uma mulher que eu dizia curar os ainda vivos. Ali, entre flores de barracas de porta de cemitério, o IML e os vivos-mortos esperando a barca do inferno. Chovia.

......Quando o sódio se fez mercúrio, ela veio, estilizada, etilizada. Ela. Não via transparente que em seu torno se moldava o corpo na cama. A minha cama. O meu corpo. O seu corpo. O seu cheiro. A minha almofada. Linda, toda desejo próprio.
......Ela. Toda conquista. Dança, vinho, música e azeitonas. A Grécia. O Tirreno. E a minha almofada. A mim, a olfação. A ela, o epitélio olfativo. Ela. Desvelava o vivo. Eu. Desvelava a morte.
......Químico. Duro. Seco.
......A ferida eu abria com as minhas unhas na minha pele. Meu rosto eu abria com as minhas unhas na minha barba. O espelho. O vidro. A janela. Cortavam-me em eu mesmo. Portal. Do Outro. Lado. A morte. Corpo curvo. Frente. Lado. Torto. Rosto liso, chupado, anguloso. Os olhos escuros, no fundo, afundados. Olhei-me Frida. Sem cor. Sem Sexo.

......Explico: Quando escrevendo não consigo tirar as repetidas vezes que olho pro meu objeto de escritura. Como quando Terpsícore, toda dança-nua-conquista, deixou-me cheiro. A minha cama. A minha almofada. O seu cheiro. E o corpo-imagem que ainda jaz.

......E teve um dia que ela veio. De susto. De repente. Eu, ela. Ela. Eu. Tchau!
......Toda linda. Toda desejo. Desejo de quem. Desejo de si? Não. Soube eu. Aquela hora. E os urubus que me rondavam. Descobriu. Os urubus. Rondavam ela. Ela, a cura, encarniçada. As horas antes, dias antes, meses antes que me desdiziam racional, que me rediziam animal forte, potente. Mas ainda o crânio inteiro e superior. Ela a força. Eu o fraco. Mas então o crânio interior e inferior. Ela domínio. Eu terra salgada pelos patrícios. Eu terra lavrada pelos cegos.

......Explico: Desta, a outra, passagem frívola, agora digo não lembremos dela. Da antiga. Agora. Posso dizer. Te amo. Pra sempre. Mesmo ainda ferida, porque pra sempre ferida. De tudo aquilo, levo tudo, o que sobrou. Pra agora. Pra depois. A ferida protege.

......Os corpos ditos universais perambulando pela praça do tempo. Sem filamentos e sem descargas. O calor das fusões do corporativo, me ferve a nuca a cada passo rumo a sombra. Em todos os passos. Rumo a sombra. Entre eles andava o meu corpo. Pela praça do tempo. A minha terra era para se fazer molhada, a minha pele era para se fazer molhada. Molhada de outras peles, mais pra cima do rio, onde as águas são mais comuns e a turbulência só reina abaixo da aparência. Onde a turbulência gelada impera. Eu estava. Eu espera. Eu escuro.
......Quando pensei a luz, quando segurei a luz, quando domei a luz, quando movi a luz, quando signei a luz, fiz a luz: o volume, o relevo, o contraste, o critério, o vazio e o presente. A mutação. O mutante. O duplo. Eu. Sagittarius. E na Grécia eu me fiz Quíron, senhor da cura. Eu. Senhor ferido.

......Teve um dia que eu vivi. Teve um dia que eu morri.
......Lá. Eu. Lá. Ela. Lá entre as árvores do cemitério de vivos-mortos. Dois quase vivos. Dois de pele dura e fria. Dois demais. Dois de carne viva. Dois de carne ambígua. Lisa e estriada. Eu carne trêmula. Ela carne aberta. Eu carne abrasada. A marca que me marcou o braço, extensão do peito. O peito energia do braço que me marcou a marcar nela a minha porta. A fissura nela. A parede ruindo. Eu a cura ferida. Ela a ferida aberta. Eu a ferida em busca. Ela minha ferida nova. Na pele das flores das barracas de porta de cemitério.
......Entre os nunca vivos e as sem luzes acesas, dois vivos morrendo. Ao gosto da vida das bactérias. Anaeróbicas. Ações de morrer. Ela morrendo Eu morrendo Ela. Sim! Arranha. Sempre arranhadura. Na pele, dos corpos, de mortos.
......E ela ela. E eu eu.

......Teve um dia que eu vi a morte andando em direção aos mortos-vivos.
......A minha morte, mal vivo que me finca na pele até a carne. A morte, bonança, me vem?
......Hoje, vivo a morte.
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10 de dezembro de 2009

Todo Fragmentado

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Sei que a tenho, logo não posso/consigo me desfazer:
Liberdade (eis o problema).

Pra escolher
entre
ética com falta de dinheiro
e
conforto sem real-ação pessoal*.



Não é ver o Flamengo em alta definição.
É fazer a Minha Boa Jogada (MBJ) [que não sei definir] pra um mundo melhor [ainda indefinido].

E não sou todo romântico achando que depois da minha geração alcançaremos a Primavera.



A minha boemia já não morre de amores.
A minha não-gera-ação em bolhas de látex.

Não se explode o peito.
Pseudo-intelectuais rígidos e osteoporosos.



O descrédito.
A (não-)Ciência moderna.
A desesperança.
A evolução tecnicista.
O desespero.
Mais fácil segui-la: o crédito.



Mas o Flamengo foi campeão.
Mas eu não comemorei.
Mas eu assumi ser artista.
Mas eu não comemorei.
Mas eu comprei um notebook.
Mas eu não comemorei.
Mas eu estou apaixonado.
Mas eu não comemorei.



E juntar esses cacos?
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* Digo “real-ação” como sinônimo cognitivo de uma ação verdadeira, mas como uma unidade só, não numa simples relação adjetivo-substantivo; por isso o uso de hífen, não de espaço. O uso de hífen, no entanto, não quer  propor um significado de ação verdadeira na palavra “relação”, como é frequente em muitos textos.
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